Pronto-Socorro da cidade teve que confirmar qual hospital tinha o soro, para então tratar do encaminhamento da vítima
As mais de duas horas que Anelda Peter, 72, precisou esperar para ser deslocada de Canguçu até Pelotas são, para o Hospital de Caridade da cidade, consideradas parte do protocolo de atendimento. Após sofrer uma picada de cobra na sua propriedade, na última terça-feira (2/2), a idosa buscou atendimento, porém não havia soro antiofídico disponível no Pronto-Socorro (PS). Ela precisou ser deslocada para Pelotas onde receberia a medicação, no entanto, chegou desacordada ao município e não resistiu, morrendo na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do hospital.
O assessor jurídico do Hospital de Caridade, Marcelo Mota, afirmou que não houve demora no atendimento da vítima e que no tempo transcorrido a partir da entrada desta até o seu encaminhamento para Pelotas estavam sendo ajustadas questões burocráticas. Para um paciente ser deslocado de uma unidade médica a outra é preciso que haja confirmação da existência do medicamento que esta necessitará no local. De acordo com o assessor jurídico, duas ligações foram realizadas para o PS pelotense pois este precisou se certificar sobre a existência do soro. Além disto, outro fator preciso para o deslocamento é a estabilização do paciente, caso contrário não há liberação médica para a viagem, neste caso de 55 quilômetros.
A conversa com o Centro de Informações Toxicológicas do Estado (Cite), que segundo o protocolo deve ser consultado em caso de ataque de animais peçonhentos, também foi apontada como uma etapa burocrática demorada.
A hipótese levantada pela família de Anelda, de que o hospital estava no aguardo de outros pacientes para serem encaminhados junto dela, também foi negada por Mota. Ele disse que a outra pessoa que estava na ambulância com a idosa deu entrada no hospital antes dela e, portanto, não havia lógica na afirmação. O fato de um médico não estar presente na ambulância durante a viagem também foi apontado como protocolo, já que o profissional só deve acompanhar os pacientes caso haja risco de óbito no percurso, o que não foi considerado possível na situação em questão. “Tão logo foi confirmado o soro antiofídico em Pelotas, ela foi encaminhada. A causa da morte não foi a demora, foram questões médicas.”
O diretor-técnico do PS de Pelotas, Sérgio Burch, foi procurado pela reportagem e disse que estava de férias durante o episódio, no entanto, assegurou que o retorno quanto à disponibilidade de medicamentos é imediato. Burch disse ainda que o soro antiofídico não é um medicamento que falta na cidade, sendo necessária apenas uma confirmação da quantidade disponível.
Neto de Anelda, Ivo Reichow declarou que a família ainda está avaliando as possibilidades legais que tem à disposição para decidir se o caso será levado à Justiça ou não.
Alerta na região
Desde 2014, a diminuição no repasse de soro antiofídico pelo Ministério da Saúde aos estados é um problema. De acordo com a 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) a incidência de acidentes com serpentes tem sido de três a quatro casos semanais. O repasse à 3ª CRS é de 600 ampolas por remessa, normalmente mensais, que são divididas entre 497 municípios do Estado. Técnica do setor de imunizações da coordenadoria, Cláudia Berardi diz que a orientação é concentrar as doses no pronto-socorro do município sede de cada Regional, no caso o de Pelotas. A cidade registrou o maior número de casos nos últimos três meses, seguida por Canguçu e São Lourenço em terceiro.
O Ministério emitiu uma nota técnica apontando a existência de problemas contratuais no processo de aquisição do medicamento. Não há definições quanto ao restabelecimento de repasse de soro antiofídico às unidades de saúde.